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Como a China conseguiu encontrar ‘ponto fraco’ de Trump com restrição às terras raras

Trump ameaça ‘corte de laços’ no comércio com a China
O Ministério do Comércio da China publicou na semana passada o documento “Anúncio nº 62 de 2025”. Este não era, porém, um simples comunicado burocrático. O texto conseguiu abalar a frágil trégua tarifária da China com os Estados Unidos.
Ao detalhar amplas restrições às exportações de terras raras — grupo de 17 elementos químicos, como neodímio, lantânio, ítrio e cério, usados na fabricação de produtos tecnológicos e equipamentos de alta precisão —, o documento em certa medida reforça o controle de Pequim sobre o fornecimento global desses minerais essenciais e lembra o presidente americano, Donald Trump, do quanto a China ainda detém poder de influência na guerra comercial.
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A China detém quase o monopólio da extração das terras raras e seu refino, que é o processo de sua separação de outros minerais. As terras raras são cruciais para a produção de diversas tecnologias, incluindo smartphones, painéis solares, carros elétricos e equipamentos militares. Um caça F-35, por exemplo, requer mais de 400 quilos de terras raras em seus revestimentos furtivos, motores, radares e outros componentes.
Pelas novas regras, empresas estrangeiras precisarão de autorização do governo chinês para exportar produtos que contenham até pequenas quantidades de terras raras e deverão declarar o uso pretendido.
Em resposta, o presidente americano ameaçou impor uma tarifa adicional de 100% nos produtos chineses e colocar controles de exportação em softwares estratégicos.
“Isso é a China contra o mundo. Eles apontaram uma bazuca para as cadeias de suprimentos e a base industrial de todo o mundo livre, e nós não vamos permitir isso”, disse o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent.
Mina de terras raras em porto na China
Reuters via BBC
Na quinta-feira (16/10), a China disse que os EUA “provocam deliberadamente desentendimentos e pânico desnecessário” sobre os controles chineses acerca de terras raras.
“Se os pedidos de licença de exportação estiverem em conformidade e forem destinados a uso civil, serão aprovados”, afirmou um porta-voz do Ministério do Comércio da China.
Nesta semana, as duas maiores economias do mundo (EUA e China) também impuseram novas taxas portuárias sobre navios uma da outra.
A intensificação da guerra comercial encerra meses de relativa calmaria após a trégua acertada em maio por autoridades americanas e chinesas.
Ainda neste mês, Trump e o presidente da China, Xi Jinping, devem se reunir para discutir esses assuntos.
Especialistas ouvidos pela BBC afirmam que as restrições às terras raras darão vantagem à China na negociação.
As novas medidas da China devem “abalar o sistema” ao atingir vulnerabilidades das cadeias de suprimento americanas, disse o professor de negócios internacionais, Naoise McDonagh, da Universidade Edith Cowan (Austrália). “O momento frustrou o cronograma de negociações que os americanos esperavam”, afirmou.
As exportações chinesas desses materiais respondem por cerca de 70% do fornecimento mundial dos metais usados em imãs de motores de veículos elétricos, segundo Natasha Jha Bhaskar, da consultoria Newland Global Group.
A China tem trabalhado intensamente para conquistar sua posição dominante no processamento global de terras raras globais, afirmou Marina Zhang, da Universidade de Tecnologia de Sydney (Austrália).
O país formou uma base de especialistas na área e tem uma rede de pesquisa e desenvolvimento anos à frente dos concorrentes, acrescentou.
Embora os EUA e outros países estejam investindo pesado para reduzir a dependência da China no fornecimento de terras raras, eles ainda estão longe de atingir esse objetivo.
Os minerais de terras raras são essenciais para a fabricação de caças como o F-35
Getty Images via BBC
Com grandes reservas próprias, a Austrália é vista como uma potencial rival da China, mas sua infraestrutura de produção ainda é pouco desenvolvida, o que torna o processamento caro, explicou Zhang.
“Mesmo que os EUA e todos os seus aliados transformem o processamento de terras raras em um projeto nacional, eu diria que levará pelo menos cinco anos para alcançarem a China.”
Nessa corrida global, o Brasil também tem um papel importante: o relatório U.S. Mineral Commodity Summaries estima que o país detenha até 23% das reservas conhecidas de terras raras no mundo.
O professor Sidney Ribeiro, do Instituto de Química da Unesp (Universidade Estadual Paulista), explicou à BBC News Brasil que o país acumula décadas de pesquisas acadêmicas sobre esses minérios e já faz a mineração de terras raras em Estados como Minas Gerais e Goiás.
Ainda assim, responde por menos de 1% da produção, porque muitas das reservas inexploradas estão em áreas como a Amazônia. Então, é enorme o desafio de aproveitar o potencial mineral brasileiro e ao mesmo tempo manter de pé uma floresta já muito degradada.
A maioria das terras raras é abundante na natureza. Mas elas são chamadas de “raras” porque é muito difícil encontrá-las em forma pura – e sua extração é muito arriscada. As terras raras frequentemente ocorrem junto a elementos radioativos, como tório e urânio, e separá-los exige o uso de muitos produtos químicos tóxicos, tornando o processo de extração às vezes difícil e caro.
Vale lembrar que as terras raras também devem fazer parte das negociações entre Brasil e EUA sobre tarifas comerciais.
Restrições chinesas
As novas restrições chinesas ampliam medidas anunciadas pela China em abril, que haviam provocado uma escassez global antes de uma série de acordos com a Europa e os EUA aliviar o problema.
Dados oficiais mais recentes mostram que as exportações chinesas desses minerais caíram mais de 30% em setembro em relação ao mesmo mês do ano anterior.
Mas analistas dizem que a queda nas exportações dificilmente afetará a economia chinesa.
As terras raras representam uma parcela mínima dos US$ 18,7 trilhões (cerca de R$ 106 trilhões) do Produto Interno Bruto (PIB, a soma de todas as riquezas produzidas) anual do país, disse a professora Sophia Kalantzakos, da Universidade de Nova York (EUA). A título de comparação, o PIB brasileiro atingiu R$ 11,7 bilhões em 2024.
Algumas estimativas calculam o valor das exportações em menos de 0,1% do PIB chinês.
Embora o peso econômico das terras raras para a China seja pequeno, seu valor estratégico é “enorme”, afirmou Kalantzakos, já que o setor dá à China mais poder de pressão nas negociações com os EUA.
Apesar de acusar a China de “traição”, Bessent, secretário do Tesouro dos EUA, afirmou que ainda há espaço para diálogo.
“Acredito que a China esteja aberta a discussões e sou otimista quanto à possibilidade de reduzir as tensões”, disse Bessent.
Durante uma reunião na quinta-feira (16/10) com o presidente do grupo americano de private equity Blackstone, Stephen Schwarzman, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, também destacou a necessidade de negociações.
“Os dois lados devem manter comunicação efetiva, resolver adequadamente as divergências e promover um desenvolvimento estável, saudável e sustentável das relações entre China e EUA”, disse Yi, segundo o site do ministério.
As recentes medidas da China são uma forma de “organizar suas peças antes das negociações comerciais” com os EUA, afirmou Kalantzakos, da Universidade de Nova York.
Ao restringir as exportações de terras raras, a China encontrou “seu melhor instrumento imediato” para pressionar Washington em busca de um acordo mais favorável, disse Bhaskar, da consultoria Newland Global Group.
Jiao Yang, da Universidade de Administração de Singapura, afirma que, embora a China detenha as cartas no curto prazo, os EUA ainda têm algumas opções estratégicas à disposição.
Os EUA poderiam, por exemplo, oferecer a redução de tarifas, algo que provavelmente interessa à China, já que a guerra comercial tem afetado fortemente seus fabricantes, disse Yang.
A economia chinesa depende da receita obtida com os produtos que fabrica e exporta. Segundo dados oficiais recentes, as exportações do país para os EUA caíram 27% em relação ao ano anterior.
Os EUA também podem ameaçar impor novas restrições comerciais para dificultar o avanço do setor tecnológico chinês, afirmou McDonagh, da Universidade Edith Cowan.
Por exemplo, a Casa Branca já mirou a dependência chinesa de semicondutores avançados ao bloquear a compra dos chips mais sofisticados da Nvidia.
Mas especialistas dizem que é provável que tenha apenas efeitos limitados.
As medidas que miram a indústria tecnológica da China podem desacelerar o país asiático, mas não “paralisá-la completamente”, disse McDonagh.
A China já mostrou, com sua estratégia econômica recente, estar disposta a enfrentar dificuldades para alcançar seus objetivos a longo prazo, acrescentou.
“A China pode continuar, mesmo se pagar muito mais pelos controles de exportação dos EUA. Mas se a China interromper o fornecimento de terras raras, pode de fato interromper a indústria de todos os outros. Essa é a grande diferença.”

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